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23 de janeiro de 2009


Foto de Kudra

Todas as noites a canção de embalar é desafinada e o sonho doido.
Todas os dias o dia é grande demais... longe demais... e eu muito pequena para tanta distância, tanto andar. Mas não refilo e faço-me maior, faço-me lesta, e faço-o.

Os passos cumprem-se e a vida corre e o buraco cava-se.

Eu não sei quem segura os fios, não sei quem fez as personagens.
Não imagino, sequer, porque será que digo sempre o que sinto (mesmo que até a mim soe estranho); porque será que me sinto tão diferente, aqui no meio... Reconheço alguns afins, mas noutras plataformas, quase sempre. Nunca posso fazer número... quase nunca.

Ora! Sou forte. Sou eu! Não é por mim que tenho de dar contas? Nesse caso... tenho tudo!


© Fata Morgana

6 de janeiro de 2009


René Magritte (1927)

Voltaram os dias normais. Hoje é Dia de Reis, mas já ninguém presta atenção a Gaspar, Baltazar e Melchior, que perseguíam estrelas. Agora toda a gente anda preocupada com os mandões do nosso tempo, que apenas procuram o poder, não têm coroa nem ceptro, não querem saber do reino, e muito menos ser magos. Querem encher-se de si mesmos, mandar, e pronto. Por isso o dia de hoje parece tão normal, ou anormal, como qualquer outro destes tempos desinteressantes.

Eu respiro aliviada. Não é porque não goste do Menino Jesus, ou de cumprir rituais de passagem, quando morre o ano velho e logo nasce o novo. Não gosto é do desvio que sofreram essas festas. Cristãs ou pagãs, Natal ou Yule, faziam sentido. Agora não passam de um alarido extremamente cansativo, desligado dos verdadeiros rituais de origem, geralmente ignorados. E arrepia-me que já não se distinga oferendas de bugigangas.
Todo o frenesim dos papeis rasgados, os montes de desperdícios nos passeios, as lantejoulas bêbedas e os tacões agulha a esboçar passos e danças ao acaso, em nome de um consumismo desarrazoado e da diversão obrigatória, à força. Fica-se consumido, nada divertido e... esvaziado. Toda a corrente de energias gastas nestas actividades destituídas de quanto lhes era origem, causa uma espécie de tufão negativamente energético. Mas já passou.

E hoje voltei a mim - estava hibernada, como sempre nesta altura do ano, distante daquela parte de mim que anda por aí a cumprir os dias; e ao regressar de longe, onde estive com a eu que mais sou e menos manifesto, encontrei um pouco desamparada a eu que ficou à espera, e disse-lhe - "Oh não pudeste ver o Sol parado... Nem sentir em ti o sorriso Dele". Ela olhou-me em silêncio. É sempre muito estranho quando ficamos assim, olhos nos olhos. Somos exactamente iguais mas ela parece um reflexo pálido e eu palpito. Ela é a sofredora, a sacrificada. Tornou-se um pouco automática, mas está sempre onde deve e é muito mais velha do que eu. Eu sou a verdadeira, a mais intensa. Ausente, muitas vezes. Dramática errática e louca.
Temos tanta pena uma da outra... Ambas esboçámos o gesto protector e, num abraço, voltámos a ser só uma.
Hoje voltei a mim. No dia de Reis, como sempre.

© Fata Morgana