Blue Sorceress (Autor desconhecido)
A mesa comprida, madeira escura de árvores antigas, estende-se à minha frente. Eu estou à cabeceira e não é o meu lugar useiro, se bem que goste dele... mas não o quero.
À minha volta o roxo e o negro, e alguns laivos de vermelho escuro. As minhas cores. Há ainda o branco, mas não está presente, ou antes, não se vê, enquanto cravo as unhas afiadas na própria mão rosada e tenra.
Os olhos procuram coisas de que não há memória, os lábios saciados fervem e desenham palavras esquisitas, que não se ouvem. Os gestos descansam na quietude imensa, dada a deslocação de todo o frenesim para o lado de dentro. Pareço realmente serena.
Há tanto espaço, um inominável espaço. As sombras movem-se e dão-me uma ideia vaga da dimensão maluca dos espaços. Apetece-me esquadrinhar todos os cantos... mas não quero.
Devagar... - murmuro, enquanto persigo os espectros furibundos com um olhar apenas trocista - Eu tenho tanto tempo...
Sorrio. E, como se um pouco triste, repito - Devagar...
E os gatos espreguiçam-se, com a vivacidade lenta dos gestos encantados que só os gatos fazem e eu conheço tão bem, e voltam a adormecer, enroscados. Ronrono, como eles, e não há ouvidos que me ouçam com estranheza.
Ergo-me, espreguiço-me também, e o meu corpo enche-se de estranhas energias, sinto-as em mim como cócegas que não importunam. Estou tão viva!
Vou pondo tudo no lugar comum, que nem por sombras é o lugar certo, cantarolando para dentro, e em cada coisa há um sentido oculto que apreendo, sem me perturbar, pois não chegou ainda o tempo.
Eu ando na terra exactamente como os peixes andam na água, deslizando suavemente, alheios à ideia excêntrica que se faz da tempestade.
© Fata Morgana
À minha volta o roxo e o negro, e alguns laivos de vermelho escuro. As minhas cores. Há ainda o branco, mas não está presente, ou antes, não se vê, enquanto cravo as unhas afiadas na própria mão rosada e tenra.
Os olhos procuram coisas de que não há memória, os lábios saciados fervem e desenham palavras esquisitas, que não se ouvem. Os gestos descansam na quietude imensa, dada a deslocação de todo o frenesim para o lado de dentro. Pareço realmente serena.
Há tanto espaço, um inominável espaço. As sombras movem-se e dão-me uma ideia vaga da dimensão maluca dos espaços. Apetece-me esquadrinhar todos os cantos... mas não quero.
Devagar... - murmuro, enquanto persigo os espectros furibundos com um olhar apenas trocista - Eu tenho tanto tempo...
Sorrio. E, como se um pouco triste, repito - Devagar...
E os gatos espreguiçam-se, com a vivacidade lenta dos gestos encantados que só os gatos fazem e eu conheço tão bem, e voltam a adormecer, enroscados. Ronrono, como eles, e não há ouvidos que me ouçam com estranheza.
Ergo-me, espreguiço-me também, e o meu corpo enche-se de estranhas energias, sinto-as em mim como cócegas que não importunam. Estou tão viva!
Vou pondo tudo no lugar comum, que nem por sombras é o lugar certo, cantarolando para dentro, e em cada coisa há um sentido oculto que apreendo, sem me perturbar, pois não chegou ainda o tempo.
Eu ando na terra exactamente como os peixes andam na água, deslizando suavemente, alheios à ideia excêntrica que se faz da tempestade.
© Fata Morgana