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4 de maio de 2009


Imagem de Tony Karp

O branco é negro nos dias tristes, nas caminhadas solitárias em dias cinzentos, confirmava uma vez mais, aconchegando ao corpo os alvos agasalhos.
As nuvens escuras, acasteladas, tornavam mais dramática a figura, emoldurando-a, e o longo vestido quente, o casaco muito comprido, pareciam materializar os gritos de pássaros distantes, ecoar ameaças de outras paragens... ou a promessa de gelo.
As mãos, cada vez mais frias, iam-se tornando azuis, semelhantes às pedras. E o reflexo nos vidros das janelas parecia tornar-se mais esguio. Tinha um andar estranho, quase irreal, como se deslizasse, e o nevoeiro cerrado abafava o ruído dos passos. O dia parecia ter criado a silhueta tão clara e isolada, como uma miragem. Não custaria a crer que desaparecesse de repente. Mas estava ali.

Não havia ninguém por perto, parecia que a cidade estava morta. Porém, sentia-se o olhar das coisas poisado na alvura quase despudorada da forma que evoluía bem depressa, embora parecesse fazê-lo em câmara lenta e como se não cansasse. Como se não deixasse anoitecer.
As narinas frementes inalavam o ar húmido, repleto de odores mórbidos e pouco conhecidos. Diurnos. As gaivotas, podia cheirá-las, tal e qual como as escutava, embora estivessem ocultas por um espesso véu de milhares de gotas de água. O sorriso fantasmagórico, que mal descerrava os lábios azuis, parecia dizer - sim, também consigo cheirar o medo.
Pressentida, sabia das pessoas escondidas nos lugares mais recônditos das suas casas, e que por detrás das cortinas das janelas, não havia ninguém a espreitar. Não queriam ver, tementes dos sortilégios. Muito menos ousariam fitar o abismo profundo no olhar contemplativo. Palavras, estavam fora de questão. Um temor ancestral, generalizado, deixava o mundo inteiro para a mulher de branco.

Finalmente parava. Era ali. Sempre fora ali. Já não existia a floresta, os caminhos isolados rasgando o frondoso arvoredo que se descerrava um pouco, junto ao cruzeiro há muito desaparecido. Mas o lugar era o mesmo.
Sabia que alguma coisa havia de acontecer. Sempre acontecera.
A mão azul havia de aflorar muito ao de leve o ombro de alguém que, julgando estar perdido, saberia o que era perder-se realmente.


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