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7 de janeiro de 2010


Desconheço o autor da imagem :(

Acordou com a sensação desagradável de estar só, de que ela se tinha ido embora, e havia também a memória vaga de um sonho importante a esmorecer. Why does it grieve me so?
Ao contrário do que normalmente acontecia, não era capaz de refazer os detalhes, que cada vez mais se esfumavam, até desaparecerem por completo.

Deixou-se ficar imóvel, franzindo com força o sobrolho. Decorridos alguns minutos, virou-se devagar e ali estava ela, voltada para o outro lado. Tinha os cabelos espalhados na almofada e um ombro destapado. Sorriu levemente ao ver todos aqueles sinais pequeninos que pareciam formar constelações escuras sobre a pele muito branca, e sentiu um alívio enorme, inexplicável, pois ela acordava ao seu lado todas as manhãs. Mas a estranheza persistia, a sensação de estar só.

Estendeu a mão para o ombro nu e puxou-a, de maneira a fazê-la voltar-se. Precisava de a trazer, de a ouvir dizer - o que é isto? -, a pergunta indefinida que habitualmente balbuciava, no tom perplexo de não reconhecer ou gostar de coisa alguma do que via. Ficava com uma expressão muito triste até focar o olhar no dele. Só então começava a perceber o lado de cá, e também a sorrir.
Mas nessa manhã, quando a voltou, ela já tinha os olhos abertos.

Uns olhos infinitos, os olhos do seu amor, da rapariga que outrora o seguia pelas ruas e ele fingia não notar, para que ela nunca mais parasse de o fazer. Que o espiava um bocadinho e comprava livros iguais aos dele, e ele chegara a encomendar dois, quando eram raridades e sabia ser pouco provável que ela encontrasse um segundo exemplar. Que frequentava os seus cafés e bares, simulando acasos, tal como ele simulava atrasos, para que às vezes ela chegasse primeiro e não se adivinhasse descoberta. Tinha medo que ela deixasse de cumprir aqueles rituais que os aproximavam tanto, criando uma intimidade funda que ambos percebiam sem compreender, e era tão esquisita entre dois desconhecidos.
Ela sentia e ele sabia que tudo aquilo eram gestos de cumprir destinos... E um dia ela bateu-lhe à porta de casa e percebeu que era esperada. Sim, há tempos que a esperava! Sabia que estavam a caminhar para aquele único ser em que, juntos, se vinham tornando. Queria isso. Yes, you will be my fill.

Com o passar do tempo ela tornara-se mais silenciosa, mais contemplativa; quase invisível, quase rarefeita. Como se fosse o fantasma de si mesma. Na realidade, era uma legião de fantasmas, mas nenhum o dela. Era tão próxima, fora tão esperada... Os fantasmas dele conheceram-na imediatamente, e amaram-na. Não a largaram e apossaram-se dela, que os recebera lentamente... mas também com uma estranha avidez.
Mas nessa manhã ali estava ela, tal como fora antes de se apaixonar pelos fantasmas dele. Tão autêntica, apesar do olhar parado que o não fitava e de uma certa quietude estranha... Why do you sleep so still?

Acabou por se render, pois o combate que travava era desigual... oh, absolutamente desigual! Ela fora-se mesmo embora. Estava morta.


© Fata Morgana


O texto contém (em inglês e itálico) excertos do Poema/Canção Lady d'Arbanville, da autoria de Yusuf Islam (Cat Stevens), que passo a transcrever.
Adoro a versão dos And Also the Trees!


Lady d'Arbanville


My Lady d'Arbanville, why do you sleep so still?
I'll wake you tomorrow
And you will be my fill, yes, you will be my fill.

My Lady d'Arbanville why does it grieve me so?
But your heart seems so silent.
Why do yoy breathe so low, why do you breathe so low?

My Lady d'Arbanville you look so cold tonight.
Your lips feel like winter,
Your skin has turned to white, your skin has turned to white.

I loved you my lady, though in your grave you lie,
I'll always be with you
This rose will never die, this rose will never die.


By Yusuf Islam (Cat Stevens)