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29 de junho de 2008

Pintura de Herbert James Draper

Não sei onde estão os meus óculos. Bolas, porque não ando eu com eles pendurados ao pescoço num fiozinho? É um utensílio tão jeitoso para estas ocasiões em que perdemos os óculos e precisamos de navegar à letra... (Que pergunta tão parva para fazer a mim mesma: eu detesto esses fios, pois! E enerva-me sobremaneira tudo o que é jeitoso. Nada a fazer.)

Isto lembra-me de que também não sei aonde ir buscar imensas coisas de que preciso. Coisas que eu quero. Fazem-me falta. Mas não posso pensar, não posso sentir, não...

Tenho o coração a bater descompassado. Estou enrolada em mim, seguro os joelhos, que são os mastros flutuantes da minha valentíssima nau, que me trouxe até ao cabo das tormentas sem naufragar mas naufraguei na mesma, por feitio. E murmuro, com um bater de dentes, “valham-me estes fémures-mastros, que oxalá flutuem”! Antes não flutuassem, porque o mostrengo que está no fim do mar na noite de breu ergueu-se a voar e fico tão mais vulnerável à superfície, que me lembro imediatamente de ter lido, não sei onde, que quando se tem os pulmões repletos de água, já não se sofre nada... é só a beatitude de um suave adormecer com os anjos. Mas os meus fémures flutuam. Não vou adormecer com os anjos nesta noite de S. Pedro. Vou continuar à tona, com este medo tenebroso, enquanto a maré me arrasta pelos cantos negros do fim do mundo e o mostrengo roda por aí, imundo e grosso.

Nenhuma das violentas tempestades me afundou. Não há misericórdia. Sou robusta. Aguento.

E amanhã? Amanhã, aconteça o que acontecer, vou acordar tranquila. Navegar contra os ventos, à bolina, e pensar que dobrei o cabo da boa esperança!

© Fata Morgana

O texto em itálico é de Fernando Pessoa ("Mensagem" - O Mostrengo)

23 comentários:

Guilherme Lima disse...

Quiçá, manter viva a esperança em conseguir dobrar mais um cabo... ;)

Beijo*

Ana Beatriz Frusca disse...

Vim de um castelo para o outro e agora, cá estou.
Sempre belissimamente gótica essa fadona, que nem esse vizinho aí de cima: um neo-romântico convicto.
E navegando contra os ventos nos mantemos atentos e fortes e vamos dobrando cabos e cabos.

Beijos.

Heduardo Kiesse disse...

Senti as vulnerabilidades humanas. As nossas. Mas sempre à tona com coragem e valentia sem virar as costas à realidade, às intempéries do quotidiano, este mar de amar que é o acto literário. Aliciante leitura... Empolgante e sugestiva...

Gosto e admiro os teus cenários verbais!

Teu beijão!

Edu

Fata Morgana disse...

Ariel D'Angouleme,

fundamental, claro. Que todos os cabos das tormentas sejam, depois, cabos da boa esperança ;)

Outro*

Fata Morgana disse...

Biazinha,

eu acho que os Góticos são os últimos românticos do planeta. Quando o planeta esgotar os recursos espero ter um derradeiro fôlego-alento para um pensamento gloriosamente romanesco, que fique registado.
Será um fóssil enganador para as gerações vindouras, necessariamente mutantes :))

Beijos

Fata Morgana disse...

Edu,

fico sempre um pouco perplexa quando alguém que acabo de conhecer me lê tão bem como tu leste. Mais ainda se disser coisas como as que disseste, em vez de me dizer que sou doida - já aqui ando há 5 anos e foi o que mais me chamaram.
É muito bom perceber que há mais "doidos" por aí... com as aspas, pois claro.

Beijão mesmo!

Lord of Erewhon disse...

Não te entregues - o resto é apenas dor.

Dark kiss.
P. S. E posta na NA! :)

Heduardo Kiesse disse...

Ainda não tinha um blog meu. Mas ia muitas vezes ao antigo "neo-normal" actual "elypse" do Luís F. Simões que já conheço ja lá vão uns 10 gritos de tempo em anos.Pois.Foi lá que te encontrei.Ainda no teu antigo espaço aqui na blogaria. Não és nada doida. Nao!! Estás à frente. Demarcas bem a tua diferença na indiferença. Há muita coisa comum e vulgar então o doido é o que não se adapta e exige mais! Sim. Gosto das tuas produções. Têm densidade e algo por dentro!
Teu beijo!
Edu

ah um dia diz-me qual é a diferença entre a linguagem escrita gótica e a não gótica. Um dia. É que pra mim tudo é VERBO E PALAVRAS o resto é vestuário...

A diferença esta do lado de fora. Dentro a dor tem o mesmo paladar. Não sei. Ou não amiga?

Edu

Fata Morgana disse...

Lord,

eu não me entrego. É sempre como disse, acordo e continuo a navegar à bolina :)

Dark kiss

Fata Morgana disse...

Edu,

pois, percebo, tu já me conhecias e isso muda a dimensão e o enquadramento das tuas palavras no primeiro comment. Fico ainda mais contente porque, fundamentadamente, sei que me lês bem.

Linguagem gótica/não gótica. Para mim não existe diferença. Sinto como sinto, escrevo como escrevo, e descobri que a minha maneira me faz chegada a outros, que vêem com olhos nus, sentem em carne viva e, se escreverem, escrevem com o próprio sangue.
Há no gótico uma coisa mais visceral, mais funda, na expressão das coisas. Dou-te um exemplo, pegando no meu texto anterior:

"Como uma flor que se suicida antes que lhe toquem os dedos decepadores, ofereço o silêncio da morte e a falta de frescura ao invasor inesperado."

"E eis que ele chega, inesperadamente. Já sei tudo o que tem para me dizer e esta repetição é tão secante...! Mas não tenho outro remédio senão ouvir. Quanto a ele, terá de aguentar o meu silêncio."

A minha forma de expressão é a primeira, talvez porque sou gótica. Como narração servem ambas.

Na minha opinião nasce-se gótico. Quando era muito miúda fiz com os meus pais muitas viagens de carro Lisboa/Porto (e depois regresso!), que me mortificavam - imagina, fechada num carro na estrada nacional.
Uma vez, tinha 4 anos, perguntei "quanto falta para chegarmos ao Porto?" e a minha mãe respondeu "ainda falta muito". Eu voltei logo à carga: "quanto é muito?" e ela lá deu umas explicações meio atabalhoadas, porque não é fácil explicar o "muito" a um nico de gente. Diz ela que eu fiquei calada uns segundos e depois concluí, com um ar pesaroso "é como quando o pai está no escritório!". Saudade, dor interna. Foi o que fui buscar, logo, para aquele muito que me estava a custar, como custava esperar a chegada do meu pai.
Sempre fui assim.

Mas, por favor, não penses que não tenho sentido de humor, que não rio (por acaso até com umas boas gargalhadas), e que só sei sofrer. Não é isso. O que tenho é um olhar atento e por isso vejo coisas que não queria. E dentro de mim, toma lá o que eu costumo dizer: "é um poço sem fundo; atiras uma pedra e ela sai do mundo".

Beijo grande.

Ana Beatriz Frusca disse...

Vim aqui ler de novo o teu texto, e percebi que julho foi teu mês mais produtivo em termos de escrita. Tomara que julho seja bem mais.
Realmente não existe linguagem gótica, mas estilo existe sim, e Ariel faz bem jus ao ultra-romantismo abordando o gosto pela noite, a consciência da solidão, a morte... é belíssimo! Eu babo por esse registro.
E você com seus castelos e estas prosas tão sensoriais... Cada vez que leio um texto teu consigo visualizar a cena que descrever, parece que pegastes um pincel e pintaste uma tela poética.
E o Lord? Uauuuu...os registros dele de 2005 são delirantes...até parei de ler um pouco os textos desta época porque me tiram o fôlego...essa é a fase dele que mais me comove, embora eu adore tudo que ele escreve, mas minha empatia maior por seus escritos está no ano de 2005.
Caraca, escrevi muito! LOLLL!
Beijos.*

Heduardo Kiesse disse...

também ja moras la no meu espaço amiga. bem... fiquei mesmo esclarecido!! sem dúvida!! agora entendo... sim Sra!

sem palavras...

é por estas e por outras que te gosto...

beijão imensamente teu

Edu

Heduardo Kiesse disse...

também ja moras la no meu espaço amiga. bem... fiquei mesmo esclarecido!! sem dúvida!! agora entendo... sim Sra!

sem palavras...

é por estas e por outras que te gosto...

beijão imensamente teu

Edu

Fata Morgana disse...

Biazinha,

oh... os meses mais produtivos não se reflectem aqui. Muitas vezes escrevo mas não posto. Eu sou esquisita... tenho as minhas luas. Guardo muitas coisas só para mim (só mostro a um certo esquisito como eu).
Mas espero postar muito em Julho, sim.

Beijos***

Fata Morgana disse...

Edu,

obrigada por me dares abrigo lá na tua casa :)

Fico contente por ter explicado bem e sido útil!
A propósito, o Luís - neo-normal, elypse - também é gótico. Ele não gosta de dizer... mas é, sim.

Beijo enorme.

Ana Beatriz Frusca disse...

Claro que conheço, é de Adriana Calcanhoto, ei-la:
Toda sexta-feira toda roupa é branca
Toda pele é preta
Todo mundo canta
Todo céu magenta
Toda sexta-feira todo canto é santo
E toda conta
Toda gota
Toda onda
Toda moça
Toda renda
Toda sexta-feira
Todo o mundo é baiano junto

Ana Beatriz Frusca disse...

O nome da música é toda sexta-feira. eu tenho o CD, mas não estou achando o MP3 na net pra te enviar. Caso o ache, deixá-lo-ei pra ti.

bjuxxx.

^^

Ana Beatriz Frusca disse...

Não é mais esquisita qu eu...JAJAJAJA!
Deixei 3 links lá dela em meu peril pra baixares se te apetecer, ainda estou procurando sua música.
Assim que eu ache, colocarei em minha casota, só pra tê-la por lá...rsrsrs.
Bjin.

:P

Fata Morgana disse...

Bia,

obrigada!!

Uma vez ouvi essa canção numa loja e nunca mais me esqueci, achei-a muito bonita. Nunca pensei que fosse da AC.
Eu ouço quase sempre as mesmas coisas:
Dead Can Dance, Ataraxia, Arcana, *NICK CAVE*, Current93, Moonspell, Diamanda Galas, Rammstein, Lacrimosa, Cranes, Siouxsie... mais ou menos sempre sempre sempre :) (Há uns outros, mas estes são os meus principais).

Aqui no meio o Toda a Sexta Feira, parece música de anjos... e é bem bonita!

Daqui a pouco vou espreitar ao teu perfil (e blog!) :)

Beijos**********

Daniel Aladiah disse...

Querida Fata
Sabes bem o que penso da tua escrita. Para mim é poesia de grande qualidade sensorial.
Não sou gótico :), mas sei os sentires...
O diálogo dos comentários anteriores é muito eclarecedor das origens... mas interrogo-me com as continuações... :)
Quere-me parecer que ser gótico não é um modo de ser imutável. Existirá uma evolução, porventura um amadurecimento que ainda torna a tua pessoa mais interessante...
Um beijo
Daniel

Fata Morgana disse...

Daniel,

obrigada pelas tuas palavras relativamente a mim e à minha escrita.

Quanto aos góticos, vou alongar-me um pouco mais.
Acho que se pode, por algum acontecimento marcante, adquirir um olhar e um sentir góticos que não sejam de nascença, e ficar ou não com isso para sempre. Mas penso que deve ser pouco comum.... Penso mesmo!

Creio que os góticos, quase sempre, nascem góticos (e sofrem imenso quando lhes acontece não saberem o que são, é como não conhecer a família e não estar bem em lado nenhum).
Claro que evoluem, como toda a gente. Primeiro são góticos infantis ou precoces, góticos parvos, sensatos, inconsequentes, ajuizados, o que for, como qualquer criança, adolescente, jovem adulto, adulto e por aí fora, mas sempre dentro do que são.
Amadurecem, evidentemente. O amadurecimento acontece dentro do registo pessoal de cada um. Um gótico amadurece goticamente (se não for um poseur, claro!). E, sabes, morre gótico, de certeza.

Se sou muito céptica relativamente a alguém que se "torna gótico", sou mais céptica ainda no que respeita ao deixar de o ser. Penso que se alguém sente que "já não é gótico", é porque nunca o foi.

Uma fase estética, de botifarras, eyeliner, veludo e rendas pretas, confunde muita gente. Mas a verdade, não. O que realmente somos, não. E não deixamos de o ser.

Com isto não digo que os góticos são melhores que os outros. Cada um vale pelo que tem dentro, não pela família a que pertence.

Falei muito mais do que gosto... :/

Beijo.

Ana Beatriz Frusca disse...

Já percebi quem é..ando desligada..pegando no tranco...mas aqui tbm não falo.
JAJAJAJAJAJAJAJA!
BJOS.

Fata Morgana disse...

Pois é... Eu estranhei que não soubesses, só por seres tu - que és mana do Lord ;)
:)))))

Mas claro que sabias, sim.

Ainda estou a tentar fazer download da Adriana, não tive tempo antes :(
Foste querida em arranjar tantas coisas dela. Foste não, tu és! Não sei como aturas uma peste como eu :)))))

Beijo grande.